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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Acordo Ortográfico


Sinceramente, fico transtornado por transformarmos as poucas coisas boas que temos no nosso país.

Fico triste por sermos um povo que continuadamente prefere enxergar-se aos poucos nos estilhaços, permanecendo para sempre dividido, e por isso desconhecido em torno de si mesmo, em vez de, e com coragem, optar pelo lúcido e bravo acto de formar um ego que o torne suficientemente capaz de se achar merecedor de se ver com totalidade, no reflexo produzido por um espelho inteiro.

Em Portugal, e por culpa própria, temos a tradição “histórico-masoquista” de aceitar que as vozes divinas do poder ponham e disponham como bem entendam das letras. Vivemos bem assim, num cantinho algures situado entre o nada e a mediocridade. Porque, e quem sabe, as nossas consciências, as vozes soberanas que habitam em nós, e apenas nós mesmos, as do nosso infra-ego colectivo, ganharam o hábito de fazer exactamente a mesma coisa, de usar as letras sem sentido, sem qualquer objectividade, sem qualquer sinal de uma emancipação sociológica que nos permita caminhar com a segurança de quem sabe quem é, para onde quer ir e o que pretende fazer para lá chegar.

Os políticos brincam com as nossas vidas fazendo uso das letras que aprenderam a manusear, nós permitimo-lo. Mais tarde, um tarde que é quase sempre igual, vingamo-nos dessa classe da mesma forma como esta nos castiga... Recorrendo às letras para os enxovalhar com vaidade, a partir do nosso silêncio, aquele cantinho de que há pouco vos falava.

Depois acontecem fenómenos como este e que, na sua essência, fazem despoletar o continuar de um ciclo de insatisfação, crítica tenaz mas que será sempre e apenas isso, crítica por um lado e teimosia por outro. Não digo que tal acto não seja legítimo, pelo contrário, ele é-o. Todavia, e numa democracia entendida pelo povo enquanto isso mesmo, por vezes há que saber quais são os limites do poder eleito e fazer nascer da crítica algo de mais concreto, pois de contrário a nossa insatisfação jamais se traduzirá em mudança, no fundo aquilo que serviu de base motivacional para que a nossa crítica nascesse e ganhasse o seu sentido.

As letras são, sendo aqui a palavra globalização um conceito chave para que se entenda isto, dos poucos traços culturais que ainda nos distinguem enquanto nação.

Não temos uma economia própria, dependemos em muito do que se passa nos E.U.A. Não temos um modelo de educação próprio, estamos limitados pela União Europeia, que o molda em reuniões fechadas para o soltar posteriormente, e muitas vezes de forma estapafúrdia, em sociedades que não estão ainda preparadas para o receberem com tal formato. É claro que isso depois gera consequências, designadamente um acréscimo de profissionais incompetentes. Exemplos disso são as variações repentinas do insussesso/sucesso escolar que, em curtos espaços de tempo, oscilam entre muito más e extremamente satisfatórias no nosso país. Depois, e num finalmente compreensivelmente sintético dadas as inúmeras possibilidades de exemplos homogéneos que aqui poderia dar, não temos personalidade social, o que nos torna incapazes de manifestar na prática qualquer insatisfação.

Por tudo aquilo que acabei de referir, e por outras coisas mais que ficaram e ficariam sempre por dizer, eu não posso ser apologista do acordo ortográfico. Seria ainda bom de referir que, em certa medida, esta opção acaba por ser um enorme sinal de desrespeito para com aqueles que fizeram e fazem das letras a sua vida. A inovação faz-se a partir da criação de novas palavras que exprimam melhor do que as já existentes aquilo que pretendemos comunicar. Alterar as que já existem nada mais fará do que gerar atraso literário, pois uma pessoa que domine hoje um vasto leque de vocabulário terá de perder tempo a corrigir uma fatia substancial do mesmo. Que progresso existe nisto?...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Relógio


Ziguezagueio na neblina de um dia complexo. Bum! Bum! Ouço, repentino, o som que me explode na consciência. Atrasado. Não vale a pena, nunca valeria. Mas olho, como se isso servisse para me desculpabilizar um pouco, para o relógio de punho que nunca tive.

«Talvez devesse dizer ao patrão que os atrasos são culpa do meu jeito minimalista.» Penso, antes de chegar à conclusão de que me atrasei mais um pouco. «Há mulheres que dizem que os homens não conseguem fazer muitas coisas ao mesmo tempo.» Seria sensato ter concordado com essa ideia naquele momento.

Se pudesse mandava esta vida para um sítio tropical e ficaria, sem repulsa alguma, num mais frio e ventoso. A rotina enraivece as raízes do cabelo. Ziguezagueio mais um pouco.

Uma hora não é muito tempo. Digam isso ao meu patrão, quando me atraso, como hoje… Uma hora pode fazer com que duas pessoas se odeiem mutuamente. Que se odeiem para a eternidade!

Bom, e lá fico eu, como sempre. Entre mais um dia onde, em vez de ziguezaguear formalmente chateado durante o resto que lhe sobra, me acomodo a prevalecer falaciosamente contente.

«Talvez devesse fazê-lo mais vezes, quem sabe se dessa forma não teria mais amigos».

Bum! Bum! Bum! Ouço, repetidamente, o som que me nasce da essência. Se possuísse o relógio que nunca tive, talvez tivesse coragem de sair à hora certa. «O minimalismo pode ser sombrio.», sussurro, seguro de que ninguém me ouve.

Talvez acorde amanhã mais cedo, passe numa loja, compre um relógio de pulso seguramente funcional e corajosamente, saia mais cedo…