Soltem as amarras, que o navio vai partir.
Esta é a história de uma tal partícula que se destruiu entre o vácuo do
silêncio. E é uma outra história também, a desse vácuo que através do silêncio
nunca conseguiu ser mais nada senão isso mesmo, absolutamente coisa nenhuma.
E não há muito para contar. De facto, dizer muito pouco, ou até mesmo
quase nada é a melhor maneira de contar tudo. Essa partícula somos todos, milhares
ou milhões de nós na verdade, à deriva neste oceano que os Deuses, alheios a
esta estranha forma de existir carnal, designaram outrora por vida, este vácuo
que nos ofende os sentidos até os silenciar para sempre.
- Vendo a alma, 5€ quem compra? Repetia freneticamente um homem
sentado na berma de uma sarjeta. (Digo berma para a sarjeta não parecer tão
feia).
- Já começaram os saldos?! Questionou um outro senhor, espantado ao ouvir
a oferta.
- Não. Respondeu o vendedor que era naquele momento também um espontâneo Presidente dos Esgotos. Apenas preciso de comprar mais
um maço de cigarros, sem trabalho todas as boas oportunidades são boas, e o preço é bom ó freguês. Reduzir mais era
aniquilar o resto miserável de uma pequena vontade que por aqui anda. Há meses
que desespero também por um café, se comprar dos de enrolar pode ser que dê para
matar o bihinho da cafeína.
Ali ao fundo, foi naquela rua filho, sentado sem vergonha alguma que um
dia um homem vendeu a sua alma para
comprar o seu último momento de felicidade.
E depois pai? E depois?...
Depois veio a liberdade.
Ai veio? Como pai?
O homem morreu engasgado com um torrão de açucar enquanto dava o último
gole no seu café. Mas foi um momento mágico Xavier, quando a história se soube
virou arte, e quando virou arte, não demorou nada até que um pseudo artista, de
nome, não sei de quê qualquer, se lembrasse de motivar outras partículas a
seguir o mesmo rumo, muitas na realidade, transformando aquele momento, através
do simples recurso às palavras, num verdadeiro acto de empreendimento de
sucesso por parte de um português. Mas até se compreende filho, aquele senhor
tinha um projecto e atingiu o seu grande objectivo. Vê lá tu filho que até a a segurança
social emitiu ordem para a contrução de uma lápide de agradecimento por o tal
senhor ter ido mais depressa do que o que devia.
Consta-se que lá dizia:
“Aqui jaz Teodósio Manjerico, figura de negócios influente, e figura pública
de maior importância ainda. Pelo seu acto de lucidez humana de abdicar de uma
reforma de que estava quase a usufruir os os nossos mais profundos agradecimentos, pois
não tinhamos meios para lhe pagar.”